Gosto de filmes que
nos fazem refletir sobre a vida e levam o coração para além dos anestésicos da
rotina. Sempre que enfrento filas ou quando me submeto a qualquer tortura de
descaso, lembro de um filme intitulado Um
Dia de Fúria (1993), direção de Joel Schumacher.
Avenidas
congestionadas. Nas lojas e restaurantes, o cliente raramente tem razão. A
pressão da vida nas cidades incomoda qualquer um. Para Bill Foster, isso tudo é
mais do que um incômodo. Para ele, chegou a hora de dar o troco. Foster assume
essa postura enquanto abandona seu barulhento carro, num congestionamento
danado e num dos dias mais quentes do ano. Michael Douglas é Foster, um cara
comum em guerra com as frustrações do dia-a-dia. Um Dia de Fúria é a história de um homem comum, um suspense
alucinado e não convencional que pergunta: “Estamos perdendo a calma?”
Fico imaginando que
cada pessoa que existe no planeta já teve seu “dia de fúria”. Fúria: essa
indignação em forma de raiva ou de ira acumulada durante todo o processo de
desprezo, insensibilidade e rejeição que passamos na vida. Fúria: nascida como
resposta ao desprezo à nossa vida pacata, às tentativas de diálogos sem
resultados, ao descaso produzido por aqueles que se sentam detrás das
“escrivaninhas”, e usando da função massacram nosso bom humor.
Filas cortadas para
beneficiar amigos, o sistema da rede bancária que “sai do ar” justamente depois
do meio-dia, quando falta meia dúzia de pessoas para chegar à nossa vez. As
desinformações e morosidade que nos levam a pensar que estão nos fazendo de
palhaço. A violência parece ser a última alternativa quando os meios dignos já
foram aviltados pelo descaso! É nesse momento que dá vontade de jogar uma bomba
naquela agência bancária que tudo anda menos a fila e de entrar com um trator
dentro daquele hospital onde o atendimento fere mais do que a doença! Sou
contra a toda e qualquer forma de terrorismo. E entre a vontade de fazer e o
fazer existe uma grande diferença. Ela se encontra no bom senso - que não
significa que os meus direitos terão sempre que saírem perdendo para que a
normalidade do aviltamento continue. Indignar-se é também usar o bom senso!
Lamento o fato de que
o nosso país não teve uma formação revolucionária. Sem o espírito
revolucionário consideramos que o máximo que podemos fazer é fofocar baixinho.
A ditadura e outros meios incutiram o medo em nós. Todo o sistema é para a
domesticação social. Quando alguém, depois de sofrer contra sua moral,
dignidade e bem-estar, tem seu dia de fúria, logo surgem os “domesticadores”
para dizer: “Fulano parecia tão pacato, mas é tão ignorante e mal-educado!”
Parece que em nosso país é crime indignar-se e agir por indignação. Martin
Luther King Jr, prêmio Nobel da Paz (1964), disse: “O que me preocupa não é o
barulho dos violentos, e sim, o silêncio dos justos.” Ficam todos olhando para
a cara do outro dizendo com o olhar: “Os políticos estão nos roubando, esse
banco está me fazendo de bobo...!” Porém, nenhuma voz ecoa. E se ecoa, a repressão
do olhar do outro ou da máquina de opressão da domesticação o faz calar
imediatamente - é necessário manter a ordem (do aviltamento de nossa pessoa)!
O que mais amedronta
à impunidade é o escândalo. Eles querem que todos pensem que tudo está bem sem
estar. Quando alguém grita: “Estão me roubando!” Eles gritam: “Aqui em nosso
país não existe roubo! Cale-se!” E quem gritou fica imaginando que está
sofrendo de algum problema mental ou está morando em outro país.
Estamos perdendo a
calma? Sim. E mais do que isto. Estamos perdendo nossa dignidade, nossos
direitos e nossa paz e tranquilidade. Os dias de fúrias podem ser mais
constantes na vida de muitos. Até o próprio Jesus teve seu dia de fúria e
indignou-se. A injustiça, o aviltamento e a impunidade têm limites. Felizes são
os pacificadores, disse Jesus. Ai do momento em que é necessário a guerra para
promover a paz! Dizia meu pai: “Por causa de um grito se perde uma boiada!”
Diga não a todo e
qualquer terrorismo! Fuja da violência! A paz tem meios mais eficazes para
restaurar a justiça. Que no “dia de fúria” não andemos pelo caminho do crime,
da violência gratuita e da transgressão. Não existe coisa pior do que perder o
direito por não agir no direito!
Espero pelo dia em
que em vez de “dia de fúria”, tenhamos cada vez mais dias de paz, tranquilidade
e respeito. Que a única fúria que impulsione o nosso coração seja para amar a
Deus e ao próximo. Que a resistência através da não-violência seja sempre a
nossa defesa!