Eles correm e brincam entre a miséria e a fome. Saltam como se quisessem flutuar por sobre o sofrimento. São os trapos de um mundo sem coração, raça excluída e povo não contado na distribuição do Produto Interno Bruto (PIB)? São ventos? Hoje são vistos, amanhã em qual esquina caiu? Entorpecidos pelo mal dos favorecidos, seu cheirar cola é profético. Cheiram porque não podem usar o paladar: o gosto das fartas comidas das mesas dos abastados! Qual a diferença entre cheirar cola e cheirar dióxido de carbono despejados pelos carros importados que cruzam nossas ruas? O primeiro é particular, o segundo é público. O primeiro vicia, o segundo sufoca. O primeiro mata a fome e engana o estômago, o segundo mata os pulmões e engana a vida! Eu não estou fazendo uma apologia a favor do uso de cola por eles. Qualquer droga é um mal em qualquer circunstância e uma agressão à vida, a estima e ao futuro de alguém. Faço, contudo, uma apologia contra a poluição: da vida, dos afetos, da humanização, das ruas, do ar, da família... (poluição em nome do progresso, da tecnologia, da segurança pública e privada!).
Trapos do mundo: rasgado, espoliado seja pelos olhares, por palavras, pensamentos e atitudes. Trapos que o mundo usou e que agora dispensa. Trapos: roupa velha, suja, remendada... Trapos!!! Eles estão entre os lixos: do nosso olhar, da nossa boca, da nossa vergonha... Estão entre o lixo: nós mesmos! Não sujam, são sujados. Não roubam, são roubados! Nós as colocamos na escola de nossos vícios e, agora, escandalizamo-nos, pois não suportamos olhar para nós mesmos.
Eu fico a imaginar também os diversos meninos e meninas de ruas das casas da fartura. Eles estão nas ruas não pedindo esmolas, mas pedindo drogas e clamando para que um traficante os adotem como filhos, pois são órfãos de um mundo sem filhos e filhas. O dinheiro não gera filhos e nem amor. Novamente alerto ao leitor que não estou fazendo nenhuma apologia e compreendo que também existem pais sem filhos: amaram, sonharam e investiram tudo e, por fim, receberam dor, desprezo e ingratidão!
Eu não sei o que será dos nossos infantes e adolescentes. Sei que a dor é insuportável na alma quando percebo essas crianças e adolescentes morrendo viciados, sem esperança, vazias, mendigando lixo: o lixo da presença maldosa de um traficante e da educação maldosa de nossa sociedade.
Trabalhei coordenando um projeto social em uma favela em Fortaleza na década de 90. Um dia fui confrontado com o desabafo de uma professora (depois de um dia estressado na sala de aula): “Para quê me esforçar? Os meninos irão mesmo para as drogas e as meninas para a prostituição. Essa é a realidade daqui”.
Eu sei que você também pode já ter dito ou pensado isso algum dia. É aí que me ouço fazendo uma oração a Deus: “Senhor Deus, que segurou em seus braços as crianças e as abençoou. Ajude a cada assistente social, a cada professor e a cada pessoa que trabalha com as crianças e os adolescentes. A situação é muito grave e a desesperança edificou o seu domínio de forma tão intensa que os sonhos já estão tornando-se escassos e o coração já desmaiou dentro de nós. Dá-nos forças para, diante dessa realidade, em vez de sermos abatidos, sermos desafiados a continuar esperando, lutando e sonhando. Amém!”.
Eu não quero que os meninos e meninas de rua sejam trapos no mundo. Eu quero que eles sejam a vida, a esperança e a graça do mundo. E as ruas lugar onde é possível brincar de amarelinha e sorrir. Eu sonho que um dia quando, na rua encontrarmos uma criança, e ela vier limpar o nosso carro, e nós respondermos “não tenho trocado” ou “tome um trocado”, ela responderá: “Obrigado, Senhor, mas estamos aqui cumprindo uma tarefa de escoteiro. Essa tarefa é de aprender a servir ao próximo. Aproveite a sua disposição e passe numa loja, compre um brinquedo para seu filho e prepare um imenso abraço para ele”. Que assim seja!