PARA LER E RELER

sábado, 12 de maio de 2012

A ARTE DE PLANTAR ESPINHOS



Tornei-me plantador. Antes apenas de sonhos, agora de cactos. Tenho alguns que mantenho sob o meu olhar carinhoso. O carinho mora mais no olhar do que nos gestos! O verdadeiro olhar é a arte de acariciar e de fazer protegido o que amamos. Quisera que meu olhar fosse como disse Fernando Pessoa: “O meu olhar é nítido como um girassol”. Poderia ele dizer que seu olhar é um girassol. E perderia a beleza do girassol e a grandeza do olhar que faz o girassol poético. A comparação serve para que não confundamos as coisas. Desta forma, girassol continuará a seguir o sol e olhar a contemplar sua beleza – do girassol e do sol.
Todo dia olho cada um dos meus cactos. Até parece um ritual. Talvez você esteja pensando como eu me tornei plantador de cactos (acho que não sou plantador, mas protetor porque não planto, apenas olho – mudamos de profissão com certa facilidade!). Creio que foi por inveja, e não por cobiça. Nós cobiçamos coisas, e invejamos pessoas. Essa é a lógica! Alguém me deu um cacto de presente e disse que tinha uma coleção com algumas dezenas deles. Naquele momento eu não cobicei a sua coleção, mas tive inveja da pessoa. Queria ter a capacidade de ver nos cactos o que essa pessoa via. Desse pecado capital já estou perdoado eu sei. E o melhor: não me tornei invejoso!
Antoine de Saint-Exupéry, em seu livro O Pequeno Príncipe, disse que somos responsáveis pelo que cativamos. Creio que somos também responsáveis por aquilo que nos cativa também. Responsabilidade é o nome que damos ao encantamento que sentimos quando o coração se abre para amar. E como cativei alguns cactos, preciso ser responsável por eles!
Falando do Pequeno Príncipe, creio que foi ele quem primeiro parou para refletir sobre os espinhos através de sua pergunta insistente: “Para que servem os espinhos?” Como resposta, o piloto, intentando se vê livre de sua incomodação, responde: “Espinhos não servem para nada. São pura maldade das flores”. Com indignação o Pequeno Príncipe responde: “Não acredito! As flores são fracas. Ingênuas. Defendem-se como podem. Elas se julgam poderosas com os seus espinhos...”. E creio que foi ele quem me ensinou que falar de espinhos é falar de coisas sérias. A seriedade de pensar que as coisas não são inúteis leva-me a pensar que a produção de espinhos também não. E nem a produção de um sorriso!
Vamos por parte. Espinhos são defesas. Eles não são a decoração dos cactos. Ao tentar proteger meus cactos, sinto-me na necessidade de me proteger deles! Incrível isto! Os espinhos nos outros são tidos como pura maldade. Mas como pode a maldade imperar quando a sobrevivência (a vida) é buscada como bem maior? Espinhos não são lanças que arremessamos. Eles estão lá. Nós é que nos arremessamos neles. Os espinhos são uma forma de nos sentir poderosos. Existe o poder que é sinônimo de tirania, mas o poder dos espinhos é outro. É o jeito do cacto dizer: “Eu preciso também viver!” O perigo de nossos espinhos é quando eles são afiados através do orgulho e se tornam pura maldade de quem os fabrica. Estão ali para ferir e não para proteger a flor que haverá de nascer entre eles!
O que nos cactos é defesa, aos nossos olhos é arte, ornamento. Talvez seja necessário olhar para os espinhos das pessoas como arte e beleza e não como pura maldade. Quem sabe esses espinhos foram forjados na sua luta contra os dores da vida. São espinhos que traz história, lágrimas e sofrimento. Não estão ali por pura maldade, mas como prova de que a vida produz também espinhos e não apenas flores.
O apóstolo Paulo trazia um espinho na carne (2Co. 12.7). Ele chegou a pedir a Deus para que fosse tirado dele esse espinho. Deus não atendeu seu pedido como ele desejava. Sua resposta foi: “A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co. 12.9). Eis a arte de plantar espinhos! Por detrás dos espinhos encontra-se a fragilidade, e acima de tudo a esperança de que Deus faça nascer uma flor entre os espinhos de nossa vida e dos nossos cactos.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Oração ao Deus amor!



Como se poderia falar corretamente do amor, se Tu fosses esquecido,
ó Deus do amor,
de quem provém todo o amor no céu e na terra;
Tu, que nada poupaste, mas tudo entregaste em amor;
Tu que és amor, de modo que o que ama só é aquilo que é por permanecer em Ti!
Como se poderia falar corretamente do amor, se Tu fosses esquecido,
Tu que revelaste o que é o amor;
Tu, nosso salvador e reconciliador,
que deste a Ti mesmo para libertar a todos!
Como se poderia falar corretamente do amor, se Tu fosses esquecido,
Espírito de Amor,
que não reclamas nada do que é próprio Teu,
mas recordas aquele sacrifício do Amor,
recordas ao crente que deve amar como ele é amado,
e amar ao próximo como a si mesmo!
Ó, Amor Eterno,
Tu que estás presente em toda parte
e nunca deixas sem testemunho quando Te invocam,
não deixa sem testemunho aquilo que aqui deve ser dito sobre o amor,
ou sobre as obras do amor.
Pois decerto há poucas obras que a linguagem humana,
específica e mesquinhamente, denomina obras de amor;
mas no Céu é diferente,
aí nenhuma obra pode agradar se não for uma obra de amor:
sincera na abnegação,
uma necessidade do amor,
e justamente por isso sem a pretensão de ser meritória!

(Extraído do livro de Soren Kierkegaard, As Obras do Amor)