Tornei-me
plantador. Antes apenas de sonhos, agora de cactos. Tenho alguns que mantenho
sob o meu olhar carinhoso. O carinho mora mais no olhar do que nos gestos! O
verdadeiro olhar é a arte de acariciar e de fazer protegido o que amamos.
Quisera que meu olhar fosse como disse Fernando Pessoa: “O meu olhar é nítido
como um girassol”. Poderia ele dizer que seu olhar é um girassol. E perderia a
beleza do girassol e a grandeza do olhar que faz o girassol poético. A
comparação serve para que não confundamos as coisas. Desta forma, girassol
continuará a seguir o sol e olhar a contemplar sua beleza – do girassol e do
sol.
Todo
dia olho cada um dos meus cactos. Até parece um ritual. Talvez você esteja pensando
como eu me tornei plantador de cactos (acho que não sou plantador, mas protetor
porque não planto, apenas olho – mudamos de profissão com certa facilidade!).
Creio que foi por inveja, e não por cobiça. Nós cobiçamos coisas, e invejamos
pessoas. Essa é a lógica! Alguém me deu um cacto de presente e disse que tinha
uma coleção com algumas dezenas deles. Naquele momento eu não cobicei a sua
coleção, mas tive inveja da pessoa. Queria ter a capacidade de ver nos cactos o
que essa pessoa via. Desse pecado capital já estou perdoado eu sei. E o melhor:
não me tornei invejoso!
Antoine de Saint-Exupéry, em seu livro O Pequeno Príncipe, disse que somos responsáveis pelo que
cativamos. Creio que somos também responsáveis por aquilo que nos cativa
também. Responsabilidade é o nome que damos ao encantamento que sentimos quando
o coração se abre para amar. E como cativei alguns cactos, preciso ser
responsável por eles!
Falando
do Pequeno Príncipe, creio que foi ele quem primeiro parou para refletir sobre
os espinhos através de sua pergunta insistente: “Para que servem os espinhos?”
Como resposta, o piloto, intentando se vê livre de sua incomodação, responde:
“Espinhos não servem para nada. São pura maldade das flores”. Com indignação o Pequeno
Príncipe responde: “Não acredito! As flores são fracas. Ingênuas. Defendem-se
como podem. Elas se julgam poderosas com os seus espinhos...”. E creio que foi
ele quem me ensinou que falar de espinhos é falar de coisas sérias. A seriedade
de pensar que as coisas não são inúteis leva-me a pensar que a produção de
espinhos também não. E nem a produção de um sorriso!
Vamos
por parte. Espinhos são defesas. Eles não são a decoração dos cactos. Ao tentar
proteger meus cactos, sinto-me na necessidade de me proteger deles! Incrível
isto! Os espinhos nos outros são tidos como pura maldade. Mas como pode a
maldade imperar quando a sobrevivência (a vida) é buscada como bem maior?
Espinhos não são lanças que arremessamos. Eles estão lá. Nós é que nos
arremessamos neles. Os espinhos são uma forma de nos sentir poderosos. Existe o
poder que é sinônimo de tirania, mas o poder dos espinhos é outro. É o jeito do
cacto dizer: “Eu preciso também viver!” O perigo de nossos espinhos é quando
eles são afiados através do orgulho e se tornam pura maldade de quem os
fabrica. Estão ali para ferir e não para proteger a flor que haverá de nascer
entre eles!
O
que nos cactos é defesa, aos nossos olhos é arte, ornamento. Talvez seja
necessário olhar para os espinhos das pessoas como arte e beleza e não como
pura maldade. Quem sabe esses espinhos foram forjados na sua luta contra os dores
da vida. São espinhos que traz história, lágrimas e sofrimento. Não estão ali
por pura maldade, mas como prova de que a vida produz também espinhos e não
apenas flores.
O
apóstolo Paulo trazia um espinho na carne (2Co. 12.7). Ele chegou a pedir a
Deus para que fosse tirado dele esse espinho. Deus não atendeu seu pedido como
ele desejava. Sua resposta foi: “A minha graça te basta, porque o poder se
aperfeiçoa na fraqueza” (2Co. 12.9). Eis a arte de plantar espinhos! Por detrás
dos espinhos encontra-se a fragilidade, e acima de tudo a esperança de que Deus
faça nascer uma flor entre os espinhos de nossa vida e dos nossos cactos.