Outro dia, voltei a
assistir o filme intitulado O Homem Bicentenário (1999). O protagonista é um
robô chamado Andrew (Robin Williams), que é diferente de todos por desenvolver
sentimentos, criatividade e senso de liberdade.
Uma máquina não tem
sentimentos. Pelo menos até hoje! Mas toda história tem um desenrolar e aquele
robô necessitava de outra engrenagem para comunicar seus circuitos emocionais.
Eu mesmo gostaria que aquele gatinho no canto esquerdo do meu computador fosse
emocionalmente capaz. Não quero um gato acariciando as minhas pernas com aquele
ar de mimo (nada contra aos animais de estimação!). Gostaria, apenas, que
aquele gatinho quebrasse a minha solidão vivida nas noites sob a companhia da
celulose (livros).
Não encontrando outra
espécie eletrônica como ele, e no auge de sua desilusão, faz amizade com um
cientista e investe suas economias em pesquisas para torná-lo mais parecido com
uma pessoa. Ah! Esqueci de dizer que esse robô, emocionalmente capaz, tinha uma
gorda conta bancária - fruto de seu trabalho. Ou você acha que as emoções não
são capitalistas?!
No dia de fazer a
plástica, é alertado pelo cientista sobre a importância dos defeitos no corpo
para a pessoa humana. Ao mostrar um defeito no seu nariz, o cientista diz: ''É
esse defeito que me torna único!''.
Ser único é o que
existe de especial no ser gente. Até mesmo um clone é único! O rio não é o
mesmo, como sugere o filósofo Heráclito, ao correr em seu leito. Assim, ninguém
mergulha no mesmo rio duas vezes. O ser humano não se repete. A existência possui
essa grandeza: a ausência de monotonia. Quem torna a vida monótona somos nós,
pois a própria existência humana é uma experiência fantástica e uma aventura
por um mundo novo a cada instante.
Outro dia caí em
crise de insignificância diante da velocidade do tempo, das lutas e sonhos que
insistem em surgir sem pedir permissão. Talvez Buda estivesse certo. O
sofrimento humano é causado pelo desejo. Não será o desejo a essência
constitutiva da pessoa humana? É claro que um desejo não realizado produz sofrimento
e decepção. Devo enfatizar: a decepção é própria de nossa humanidade! Todavia,
um desejo realizado coloca-nos diante de uma experiência magnífica: a
felicidade. Possivelmente, a causa do sofrimento humano seja a felicidade e não
o desejo. A felicidade é essa ''droga'' que uma vez experimentada quer-se mais
e mais e nunca se terá permanentemente, mas somente a ilusão de tê-la - pelo
menos aqui! E, com certeza, o sofrimento é causado por essa ilusão de uma
felicidade idealizada que somente existe em contos de fadas.
Buda que me perdoe.
Eu quero viver esse “carma” com intensidade: quero sonhar. E sofrer por sonhar!
A dor tem uma função muito importante. Ela nos mostra que somos humanos e não
anjos, demônios ou máquinas. A vida tem que ser ferida, de vez em quando, para
que possamos despertar do sono da passividade e começarmos a contar a batida do
coração, o número das estrelas, e das folhas que caem e são levadas pelo vento;
pois somos também estrelas, folhas secas, vácuo, gente... Só perceberemos isto
quando a nossa amiga morte nos enamorar. Ai seremos mistério! Nada se cria tudo
se transforma, eis a máxima da Ciência (Lei de Lavoisier)! O pó volte ao pó e o
humano volte a Deus que nos deu a oportunidade de viver o milagre da vida e de
ser pessoa no mundo. O velho se torna novo, eis a máxima da ressurreição!
Enquanto aguardo a
ressurreição do corpo (e da vida) procuro essa essencialidade do ser pessoa
diante do outro. Olho-me no espelho e sei que alguém vai encontrar um defeito
no meu nariz. Minha humanidade não se encontra nos meus defeitos. Ela está
essencialmente, sim, no reconhecimento deles e na coragem de fazer ecoar a
significativa frase: Perdoe-me, por favor!