PARA LER E RELER

segunda-feira, 4 de maio de 2015

EU, GRÃO DE PÓ A OLHAR AS ESTRELAS

Eu, bolha de sabão

Às vezes considero que a condição mais humana que posso vivenciar é a de fragilidade. Não porque essa ter sido a realidade diante do caos de violência ou de situações onde não encontramos outra alternativa senão sentir-se desprotegido e em total impotência.
Sempre gostei de olhar as noites escuras estreladas para me deixar ser conduzido pela experiência de esmagamento pela grandeza do universo. O grão de nada ousando olhar para o alto a contemplar as estrelas. Essa é a experiência primeira da humanidade, e talvez a última!
Também gosto de estar debaixo da cúpula de algumas catedrais: construídas com o intuito de produzir o esmagamento do “eu” humano para revelar as alturas da realidade divina: a grandeza maior, mais suprime, mais além. O tremendum, de que fala o teólogo Rudolf Otto, no livro O sagrado: “a criatura se humilhar para quem e perante o quê. Perante o que está contido no inefável mistério acima de toda a criatura”. É a subida ao Monte Horebe a trovejar, e fazer Moisés prostrar-se reconhecendo que estava todo trêmulo. Ou na linguagem de filosofo Soren Kierkergaard: é temor e tremor. Aqui nasce a religião e a fé. Nasce também a alma humana, o reconhecimento de que o ser humano é aquele que ousa a olhar as estrelas: chama Deus de pai, e entende como Abraão foi chamado de amigo do Altíssimo.
As grandes revoluções da nossa humanidade ocorreu em estado de fragilidade. Não foi devido ao tremendum que Agostinho de Hipona se tornou cristão? Não foi devido a um raio, nascido de uma tempestade, que Martinho Lutero treme diante do tremendum e se refugia em um mosteiro? Raios do céu geraram mais pessoas de grandeza à história humana do que os relâmpagos da arrogância. Na experiência da falsa grandeza, o eu, no seu encantamento (qual rainha diante do espelho a negar toda beleza fora de si – e com isso se tornar a bruxa da história e não a beleza contida na neve branca) não se deixa transformar. Talvez seja a beleza da borboleta que motiva a lagarta a se encasular. Mas nenhuma lagarta viu a si mesma borboleta. Ela será sempre efêmera ao mundo vivido. Os mundos possíveis das existências se cruzam e coexistem sem se pertencerem. A lagarta que rasteja é a borboleta que voa, o pó que ousa a contemplar as estrelas, é pó de estrela: por isso tem algo o convocando às estrelas. E atendemos a esse chamado através do olhar!
Se olho para o além é porque ele é parte de meu mundo possível: mesmo maior (não sei se melhor!). Considero até que esse mundo maior tem grandeza devido ao meu olhar: a existência tem o tamanho do meu olhar! Se não olho não crio a minha condição e nem a condição do outro. O tamanho do que chamo “imenso” tem as medidas que o meu tamanho mede. Sou então a medida das coisas e da minha própria pessoa. E faço da fragilidade a dimensão maior da existencialidade humana. Quem realmente aprendeu a olhar, amplia os horizontes em cada olhar e a si mesmo diminui nessa construção. Felizes são os cegos que não veem e por isso não ampliam os horizontes? Sansão cego enxergou mais do que quando com perfeita visão. Ele ampliou os horizontes quando o seu corpo se tornou olhos!
Volto a considerar. Aqui se percebe a grandeza do religioso. A religião é a prepotência que em mim habita anulada. Tudo se torna belo e extremamente “divino”. Se alguém se diz religioso e já não olha para as estrelas, mas se considera “estrela”, peca contra os céus e nega a própria essência da fé. Os anjos caídos (demônios) é uma condição de perda do olhar para o alto a contemplar o Altíssimo. Águias olham em direção ao sol, galinhas buscam a terra: nada de ecologia, apenas mediocridade!
A essência é devolvida às coisas quando sou devolvido a minha condição: um sopro e já não sou, e na Palavra sou eterno. Ouso a olhar as estrelas. Eu, grão de pó a olhá-las! E as estrelas a sorrirem para minha ousadia, e permitindo que eu as dê nome, forma e significado. Não posso produzir o brilho delas. Apenas posso ousar a acreditar que um dia o Tremedum disse: “Haja luz, haja estrela... haja pó... façamos o ser humano conforme a nossa imagem e semelhança (Gênesis 1.26). Assim, em todo espelho vejo a grandeza do ser humano, e em cada estrela sua fragilidade.

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